sexta-feira, 10 de março de 2017

UMA EDUCADORA CONTRA A ESCOLA

Então, nesta postagem, o assunto não vai ser diretamente o feminismo. Mas vai ser uma análise sob uma perspectiva radical, uma análise radical sobre um fenômeno que também atinge as mulheres e meninas.

Uma coisa que vocês talvez não saibam sobe mim, ou talvez saibam, ou talvez deduzam (ou talvez eu esteja me dando uma grande importância. He he he) é que eu sou abolicionista em relação à escola também ("também" porque sou abolicionista de gênero e da prostituição). Eu sou educadora, fui professora de História no ensino formal, já trabalhei com alfabetização de adultos e com arte-educação e eu, simplesmente, abomino a escola.

Eu abomino a escola porque eu partilho da concepção que concebe que a escola, a instituição escolar tal qual a conhecemos hoje, é uma instituição burguesa, propagadora da ideologia burguesa, pois que fundada na lógica burguesa e que só pode ser concebida, significada, compreendida e mantida a partir dela. A escola é instituída, pela burguesia, para propagar os valores dominantes, por isso a divisão por disciplinas, os conteúdos escolares, a ideia de projeto político-pedagógico, a instituição e delimitação de um espaço físico exclusivo no qual a educação deve acontecer, a certificação do conhecimento por instâncias superiores, estruturas hierárquicas e hierarquizantes sem as quais a escola não poderia sequer existir, não faria sentido, não teria significado. A escola é a hierarquização da infância, do saber, da vida, esses são seus fundamentos, - e aqui eu aponto fundamento como aquilo que, apesar do tempo, do espaço, das circunstâncias e das transformações e adaptações, é capaz de permanecer e faz com que, ainda que um fenômeno se altere em alguns aspectos, continue sendo ele. Não adianta reformar a escola, porque qualquer reforma muda a forma, nunca os fundamentos - qualquer coisa que transformasse os fundamentos da escola já seria outra coisa que não a escola, seria a escola revolucionada. Fora da lógica burguesa não exite escola, rompidos os fundamentos que enraízam a escola na cultura burguesa a partir de uma tradição de instituições para manutenção e propagação dos valores e ideários de hegemonia da classes dominantes não existe escola. Há, então, uma diferença fundamental entre os conceitos e as práticas de educação e escolarização, e eu partilho fortemente da ideia de que o primeiro é incompatível com o segundo. A educação se dá em relação dialética com a vida e a com a comunidade, a escolarização se constitui como algo para fora e além dela, o que é uma farsa própria da lógica burguesa.

Quando a burguesia se institui como classe dominante, política e economicamente, ela também passou a ampliar seu projeto civilizador, já em curso antes do auge da tomada de poder, pois que justamente o possibilitou, mas que ganha força com a Revolução Burguesa. Um dos fundamentos mais fortes desse projeto civilizador está a concepção de História que essa burguesia engendrou para si. A História, grosso modo, concebida pela burguesia como a narrativa sobre si mesma, sobre seu processo de ascenção e tomada do poder, e além disso, como sendo a ascenção dos valores burgueses e da própria burguesia um progresso natural e inevitável da humanidade, de qualquer humanidade; a História como telos, ou a História teleológica. Uma das premissas mais fundamentais da instituição da História como telos da/na narrativa burguesa sobre si mesma é a criação de um sujeito narrador (no caso, a burguesia) que se coloca a-historicamente, ou seja, de fora da história para narrá-la, desta forma, a burguesia se narra e se autolegitima a si mesma (assim como a sua narrativa) como senhora da História a partir de premissas metafísicas/transcendentais que conferem a essa narrativa seu sentido teleológico. A autolegitimação da burguesia por sua narrativa teleológica, por sua vez, institui a própria História como atividade própria da burguesia, e institui a burguesia como esse sujeito a-histórico e metafísico/transcendental da História - num ciclo de autolegitimação onde não é possível - a não ser a partir do pensamento radical revolucionário e da revolução - encontrar o início ou o fim.

Desta forma, sendo a burguesia esse sujeito da História que se institui a-historicamente, também todas as instituições fundadas pela burguesia dentro dessa lógica obedecem a ela: todas as narrativas burguesas (as artísticas, as literárias as jurídicas, as pedagógicas) nas quais se imbricam todas as suas instituições (a Arte, a Literatura, o Direito, a Pedagogia e a Escola), se instituem a partir desse sujeito. Assim é a escola, a instituição burguesa em que o indivíduo deve entrar e permanecer para "se preparar para a vida", justamente porque, concebida na lógica da a-historicidade, a vida - entendida aqui como realidade material - é tudo que acontece fora da escola, e sobre a qual a escola, que está acima e além dessa realidade material através de seu sujeito pedagógico a-histórico e transcendental, deve ensinar. A escola, como mecanismo de controle social que deve estar sempre sob a posse da classe dominante, não pode, jamais, fazer parte da vida, da comunidade, da realidade em que ela é engendrada. A escola, como instituição burguesa deve se colocar acima e além da vida, da realidade, pra que continue sob o poder da narrativa da classe que a engendrou e que vai determinar seus valores e, assim, os valores da própria vida e da própria realidade, positivando alguns fenômenos e negativando outros, conforme as conveniências dos sujeitos pretensamente a-históricos que a dominam.

Vale lembrar que esse Sujeito a-histórico da História que se institui a si mesmo como toda a humanidade (a burguesia), é o Sujeito Branco, Heterossexual Falocentrado, em uma instância individual, ele é também o próprio indivíduo: o patriaca da família burguesa, que é, esta, o organismo social ao qual a burguesia institui como célula primeira e principal do ordenamento social e do Estado - fazendo propositalmente imiscuir-se ordenamento social e Estado como se fossem uma única coisa e como se apenas a partir do Estado o ordenamento social fosse possível.

A escola é a materialização do Estado na infância. E assim como o Estado, que não existe desde sempre e um dia ruirá, a escola, essa perversão da educação, vai morrer junto com a sociedade de classes.

 

Isto é apenas um breve ensaio sobre educação libertária, e eu aceito críticas, objeções, contra-argumentos, correções, complementações.


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