sexta-feira, 5 de junho de 2015

SOBRE FEMINISMO RADICAL E AS ALCUNHAS MISÓGINAS DE "TERF" E "TRANSFOBIA"

Todo mundo sabe que as opressões e preconceitos e intolerâncias na nossa sociedade são diversas e de diferentes formas contra diferentes grupos: mulheres, homossexuais, transexuais, pobres, pessoas negras, indígenas...
O feminismo radical é uma vertente do feminismo que se constrói a partir da ideia que pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas* como mulheres sofrem opressões e violências exclusivas por viverem essas condições. O feminismo radical, assim como diversos outros movimentos sociais e políticos, opera de forma a valorizar e construir espaços exclusivos e protagonismos exclusivos de pessoas do sexo feminino sobre suas pautas exclusivas e contra suas opressões exclusivas. A construção de espaços exclusivos NÃO é uma invenção do feminismo radical, mas uma premissa de todos os movimentos sociais e políticos que buscam a construção do protagonismo de pessoas/grupos identitários/étnicos/políticos sobre suas pautas.
O movimento feminista radical é crítico às teorias de gênero que fundamentam o discurso de autodentificação e indentidades/gêneros fluídos, mas o feminismo radical não autoriza nenhuma pessoa a impedir que outras pessoas se autorganizem e protagonizem suas lutas.
Ninguém acusa (ou ninguém deveria acusar) o movimento negro, que também constrói protagonismos e espaços exclusivos de luta contra a supremacia branca, de ser indígena-excludente, né? Porque todos são capazes de compreender que, apesar de a luta indígena e do povo negro se tocarem em alguns aspectos, como, por exemplo, a orientação contra a supremacia branca, ambos os grupos identitários tem especificidades e precisam protagonizar suas pautas e construir espaços exclusivos como estratégia de resistência.
Por que, então, acusam o feminismo radical de ser trans-excludente? O feminismo radical não é trans-excludente. O feminismo radical não se ocupa de perseguir a autorganização de pessoas trans, de perseguir e negar-lhes direitos, de vetar-lher o direito à sociedade, além disso, o feminismo radical também acolhe e ampara homens transexuais [por entender que, por serem nascidos no sexo feminino, também sofrem a violência da socialização feminina, e sua autoidentificação com o gênero masculino não os livra desse processo, que é mais complexo que simplesmente "escolher" pertencer a um gênero ou outro, pois que gênero, mais que uma escolha, é uma construção política para a dominação de indivíduos socializados a partir do sexo masculino sobre indivíduos socializados a partir do sexo feminino - como um movimento que acolhe homens TRANSEXUAIS pode ser alcunhado de transfóbico senão como uma forma de deslegitimação e silenciamento desse movimento?]. O feminismo radical apenas afirma que pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres sofrem opressões históricas destinadas apenas a pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres e que, portanto, nós temos a liberdade, o direito e o dever, como luta e resistência, como é direito de qualquer outro movimento de resistência e luta política, de construir espaços e protagonismo exclusivos que, também historicamente e não por acaso, nos vem sendo negado.
A sigla TERF [trans exclusionary feminism] nada mais é do que uma alcunha misógina, forjada pelo discurso de manutenção do patriarcado e por seus agentes, para coagir, intimidar mulheres e pra autorizar a agressão e perseguição, inclusive pelo próprio movimento feminista, de pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres, e impedi-las de se autorganizarem e de protagonizarem sua luta e resistência contra o patriarcado.
O termo "cis" também tem a mesma função. O feminismo radical entende que nenhuma pessoa nascida no sexo feminino e socializada como mulher é privilegiada por se "identificar" com seu gênero, NENHUMA. Porque a socialização feminina, aquela que nos impele a nos adequar aos estereótipos de gênero, não é uma escolha, não é um movimento de autoidentificação, mas é uma violência do patriarcado contra pessoas nascidas no sexo feminino, uma violência que sofremos desque nascemos, antes mesmo de poder fazer quaisquer escolhas na nossa vida. Nenhuma mulher "se identifica" com o gênero feminino: o gênero feminino é constituído de uma série de ritos e convenções IMPOSTAS VIOLENTAMENTE a pessoas que nascem com uma VAGINA para permitir a pessoas nascidas no sexo masculino nos subjugar, nos violar, explorar, acessar nossos corpos, controlar nossa sexualidade, nosso comportamento, nosso processo reprodutivo e manter, assim, a supremacia masculina sobre nós.
Dizer que existe um privilégio cisgênero ou que determinado feminismo é TERF serve apenas para pulverizar as pautas feministas que dizem respeito a essas opressões mais fundamentais do patriarcado contra pessoas nascidas no sexo feminino [a maternidade compulsória, a heterossexualidade compulsória, o ódio aos corpos feminino, à vagina e tudo que é ligado a nossa corporeidade etc], colocando-as em segundo plano, e até mesmo vetando e proibindo seu debate, como tem acontecido quando se diz que falar de vagina no feminismo é transfóbico porque oprime pessoas trans. Tudo isso é estratégia patriarcal pra, mais uma vez, como tem sido feito desde sempre pelo patriarcado, silenciar mulheres e pra e culpá-las por quererem se impor - a si, a sua existência, a seus corpos amaldiçoados e controlados como "coisas" pelo patriarcado - como como humana no mundo e na sociedade patriarcal.
Mulheres, não caiam nessa. Isso é COLONIZAÇÃO do feminismo pelo patriarcado, isso é estratégia do patriarcado e de seus agentes para nos amedrontar, deslegitimar e nos silenciar! NÃO existe feminismo transfóbico e terf e NÃO existe privilégio cis!
FEMINISTAS RADICIAIS EXISTEM E RESISTEM!
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* A socialização é o processo pelo qual as liberdades e potências individuais são violentamente tolhidas, cerceadas coibidas e podadas para educar, forjar, impelir e obrigar pessoas nascidas com vaginas a se comportarem dentro de determinados papéis sociais, no caso, os construídos e afirmados socialmente a partir da supremacia masculina como "femininos".


2 comentários:

  1. Olá, obrigada pela publicação esse texto. Eu gostaria de indicações de outros textos que argumentassem mais sobre esse pressuposto:
    "O feminismo radical apenas afirma que pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres sofrem OPRESSÕES HISTORICAMENTE DESTINADAS APENAS A PESSOAS NASCIDAS NO SEXO FEMININO E SOCIALIZADAS COMO MULHERES "

    em especifico a parte tocante ao fato da opressão citada a cima ser direcionada "apenas" às pessoas nascidas no sexo feminino e socializadas como mulheres
    muito obrigada!

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  2. Adorei o texto, mas tenho uma dúvida.
    No caso do David Reimer: O menino foi submetido a uma cirurgia de redesignação sexual com oito meses de idade , ou seja, cortaram o pênis dele sob supervisão psicológica, o socializaram como "mulher" de maneira violenta e abusiva.O fim da história é trágico. Num caso desses, o movimento feminista o deveria acolher?

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