quinta-feira, 18 de junho de 2015

SOBRE AUTOESTIMA, FEMINILIDADE, SENSUALIDADE E DOMINAÇÃO MASCULINA

Hoje eu me lembrei muito fortemente de coisas da minha juventude.

Me lembrei sobre como eu desejava ser alva e ter cabelos loiros e olhos claros, e das coisas que eu passava na pele e no cabelo pra clarear: leite, camomila, água oxigenada, água de arroz, creme Minâncora, leite de rosas e uma lista infinita de coisas, de químicas, de porcarias - qualquer coisa que me indicassem. Lembrei de como eu odiava meu corpo, me acha gorda, feia, odiava minha barriga, minhas pernas, minha bunda, meu rosto: o nariz grande demais, a boca grande demais, as sobrancelhas grossas demais - logo comecei a arrancá-las - os olhos muito pequenos e caídos. Também comecei a odiar todos os meus pelos: sempre tive braços e pernas muito peludas, cheguei a passar coisas pra clarear, mas, muitas vezes, virei motivo de chacota, então comecei a usar a lâmina muito cedo e, logo que surgiu, me submeti à tortura da depilação com cera. Durante toda a  adolescência e juventude, eu lia todas aquelas revistinhas de merda que fazem para as meninas adolescentes e, depois, para mulheres: Carícia, Capricho, e, depois, Marie Claire, Cláudia, e sei lá mais quais; eu cresci na década de 80/90, no auge dessa cultura de celebração das supermodelos; então, eu lia/via sobre o mundo fantástico das modelos em tudo que é lugar, tinham muitas matérias sobre isso, sobre como se tornar uma top model, como ingressar na carreira de modelo, como era maravilhoso ser modelo e sobre como é incrível e poderoso uma mulher ser tão linda a ponto de ser modelo e ter tanto poder simplesmente por sua beleza, eu lia isso tudo nas revistas e tudo era reafirmado na TV, nas novelas, nos anúncios publicitários... e sempre eram mulheres muito magras, loiras, olhos claros, traços europeizados... e eu me achava horrorosa, sempre. E muitas vezes eu chorava, escondida, triste, porque não era magra o suficiente, clara o suficiente, bonita o suficiente, sedutora o suficiente, popular o suficiente, desejada o suficiente. E odiava meu corpo, cada vez mais. Comecei a fazer dietas pra emagrecer, todos os tipos de dietas nocivas, passava semanas sem comer nada, até passar mal de fraqueza, desenvolvi bulimia e passei a comer e forçar vômito, em silêncio, sem o conhecimento de ninguém, eu comia, comia, comia, chorava de angústia e forçava vômito, pra descobrir que nem aquilo me faria sentir melhor, e me sentia péssima, de novo: feia, gorda, horrorosa, fraca e doente. Aprendi, depois, como odiar ainda mais meu corpo: através do contato com a pornografia e a nudez mercadológica de mulheres, aprendi a odiar meus seios e meu sexo: os seios ora eram grandes demais, ou pequenos demais, as auréolas escuras eu pintava frequentemente canetinha rosa, minha vulva tinha pelo demais, era grande demais, escura demais, os pequenos lábios me incomodavam, e eu jurei que quando tivesse grana iria reduzi-los, cheguei muitas vezes, num ritual macabro que talvez muitas mulheres/meninas conheçam, a colocá-los entre as lâminas da tesoura e forçar um pouco - do mesmo jeito que fiz, muitas vezes, com a pele e gordura da barriga que segurava entre os dedos enquanto ajeitava a tesoura ou uma faca e simulava o corte.

Por muitas vezes pensei em morrer, em me mutilar. Muitas vezes chorei sem ter noção da razão, apenas por uma imensa tristeza e sentimento de inadequação.

Até que eu aprendi a me objetificar. Eu entendi que, mesmo sendo gorda, feia, horrorosa, eu podia oferecer meu corpo e meu sexo aos homens com determinadas estratégias, que eu observava na TV, nos filmes, em outras mulheres, e que eles não iam rejeitar. E, então, pelo menos por alguns momentos, eu me sentia poderosa: eu me objetificava ao extremo, desde minha aparência até meus comportamentos, e cedia a eles, sem nenhuma resistência - muitas vezes contra minha vontade, mas eu não poderia dizer não e correr o risco de ser rejeitada - tudo que eles queriam. Era assim eu conseguia a aprovação deles e realizava a função mais importante que me foi ensinada a ter enquanto mulher: ser desejada por homens.

E eu sou uma mulher branca.

E eu posso apenas imaginar, talvez apenas uma leve ideia, do que passam as meninas negras.

A destruição de nossas autoestimas através de padrões de beleza, os estereótipos de feminilidade e o conceito de sensualidade servem para nos ensinar, desde jovens, a nos objetificar e servir à vontade dos homens e ainda achar tudo isso natural. É através disso que enfraquecem a nossa autoestima para possibilitar aos homens o controle sobre essa autoestima e sobre nós - desde a infância, nós somos induzidas a facilitar todo o trabalho de dominação deles sobre nós conforme vamos sendo massacradas e ouvindo a sociedade todas nos dizer que temos que agradecer cada elogio, cada assédio e cada investida de um homem - mesmo quando nós não gostamos, ficamos constrangidas ou não nos sentimos confortáveis com elas.





3 comentários:

  1. Nossa, o coração até sangra! Acho que pouquíssimas de nós não se vê nessas suas palavras...

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  2. Coisa linda! Dá um prazer doloroso ver que tem mulher que sente e que passa o mesmo que a gente. É horrível essa sensação de solitude no sofrimento. Mas também é triste saber que são raras as que escaparam do tormento de ser um objeto para o prazer alheio.

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